19659001 A doença de Wilson tem seus primeiros relatos em 1912, quando Samuel Wilson observou a associação de um distúrbio neurodegenerativo severe e cirrose hepática. Desde então, houve progressão do conhecimento sobre a fisiopatologia, diagnóstico e tratamento dessa condição patológica. Leia também: 19659004 Doença de Wilson: como monitorar o tratamento? 19659006 doença de Wilson 19659007 Manifestações clínicas da doença de Wilson Em relação à faixa etária, a doença geralmente ocorre antes dos 50 anos de idade. Contudo, pode acometer qualquer faixa etária. 19659011 As manifestações hepáticas tendem a ser mais precoces que as manifestações neurológicas, variando de formas leves à cirrose. Além disso, a esteatose hepática pode ocorrer, especialmente em crianças. Por fim, há a insuficiência hepática aguda, que é rara. 19659013 Já em relação às manifestações neurológicas, podem ocorrer distúrbios do movimento (trembling, distonia, perda do controle motor fino, parkinsonismo), distúrbio de fala (disartria costuma ser o primeiro sintoma proeminente) e acometimento pseudobulbar (disfagia). 19659014 As manifestações psiquiátricas são distúrbios do sono e a síndrome das pernas inquietas, transtornos do humor (depressão, ansiedade e transtorno bipolar), psicose, fobias e comportamentos compulsivos, agressivos ou antissociais. No oftalmológico, pode ocorrer anel de Kayser-Fleischer (depósito de cobre na membrana de Descemet) e catarata de girassol (opacidades centrais multicoloridas e radiantes no cristalino). 19659018 19659019 Outras manifestações possíveis são: 19659021 Cardíacas (arritmia, cardiomiopatia) 19659022 Osteomusculares (osteoporose, osteopenia, distrofia muscular, rabdomiólise) 19659024 Endócrinas (hipopituitarismo, hipoparatireoidismo, disfunção testicular, infertilidade) 19659026 19659027 Renais (disfunção tubular, aminoacidúria) 19659028 19659029 Hematológicas (hemólise) 19659030 Pancreáticas (pancreatite) Articulares (artrite/artralgia) Diagnóstico 19659036 da doença de Wilson Uma vez feito o diagnóstico de doença de Wilson, é importante o rastreio de familiares de primeiro grau baseado na análise do genótipo 19459004 ATP7B e/ou na avaliação clínica e bioquímica abrangente. Confira, nas tabelas abaixo, os principais caminhos para diagnosticar a doença. 19659039 Dados clínicos 19659041 Anamnese detalhada e exame físico focado (manifestações hepáticas, neurológicas e psiquiátricas). Dados laboratoriais 19659045 Bioquímica hepática, ceruloplasmina sérica (<< 14 mg/dl), cobre urinário 24 horas (> > 40 μg) 19659046 19659047 Exame oftalmológico Anéis de Kayser- Fleischer visualizados por exame com lâmpada de fenda ou tomografia óptica (ausentes em 50% dos pacientes com doença de Wilson hepática. 19659050 19659051 RM crânio Anormalidades em gânglios da base auxilia a descartar outros diagnósticos. 19659055 Biópsia hepática 19659057 Cobre hepático classicamente exceptional a 250 μg/ g; níveis superiores a 70 μg/ g justificam uma investigação mais aprofundada. Avaliação genética 19659061 Mutações no gene ATP7B: duas ou mais variantes patogênicas. 19659062 A seguir, algumas estratégias diagnósticas em desenvolvimento para doença de Wilson, que requerem maior validação: 19659065 Determinação do cobre trocável relativo (REC) 19659066: cobre biodisponível não ligado à ceruloplasmina em relação ao cobre sérico overall, ultrapassando 18,5% na doença de Wilson. 19659067 Métodos baseados em proteômica (anticorpos monoclonais para ATP7B com espectroscopia de massa direcionada com monitoramento de reações múltiplas) : Níveis do peptídeo ATP7B recuperado foram mais baixos nos pacientes com doença de Wilson, podendo ser útil para interpretar o efeito funcional de variantes ATP7B de significado desconhecido. 19659070 19659071 Tomografia por emissão de pósitrons (PET) para quantificar a incorporação de cobre na ceruloplasmina 19659072: permite distinguir entre pacientes com doença de Wilson, heterozigotos simples e pessoas não afetadas e pode avaliar eficácia de transplante celular e da terapia genética para o tratamento da doença de Wilson. 19659073 O escore de Leipzig é uma ferramenta desenvolvida em 2001, que auxilia o diagnóstico da doença de Wilson, todavia pode apresentar falso- positivos. ≥ 4 pontos: diagnóstico estabelecido; 3 pontos: diagnóstico possível (mais testes são necessários); ≤ 2 pontos: diagnóstico improvável. 19659075 19659077 Sintomas e sinais clínicos 19659078 Outros testes diagnósticos 19659081 Anéis de Kayser Fleischer: 2 pts 19659082 Cobre hepático (na ausência de colestase): 2 pts (>> 4 µmol/ g), 1 pt (0,8-4 µmol/ g); -1 pt (<< 0,8 µmol/ g), 1 pt (grânulos rodanina positivo) 19659085 Sintomas neurológicos: serious 2 pts; moderado 1 pt 19659087 Cobre urinário (na ausência de hepatite aguda): 19659088 19659089 1 pt: 1-2 x LSN; 2 pts > > 2x LSN ou > > 5x LSN após D-penicilamina 19659090 19659091 Ceruloplasmina: 1 pt(0,1– 0,2 g/l); 2 pts (< < 0,1 g/l) Análise de mutação ATP7B: 4 pts: ambos os cromossomos 1 ponto (1 cromossomo) Anemia hemolítica Coombs negativa: 1 pt 19659096 19659097 19659098 Veja ainda: Reação adversa aos salicilatos alimentares A insuficiência hepática aguda por doença de Wilson cursa com coagulpatia serious e/ou encefalopatia hepática e apresenta peculiaridades, como: hemólise intravascular aguda, elevações moderadas dos níveis séricos de aminotransferase, níveis séricos normais ou baixos de fosfatase alcalina e progressão para insuficiência kidney. Dados que reforçam a hipótese de Wilson: proporção fosfatase alcalina para bilirrubina overall << 4 e proporção de AST/ALT >> 2,2. 19659100 19659101 Os principais diagnósticos diferenciais da doença de Wilson são: Hepatite autoimune; 19659104 Doença hepática esteatótica metabólica; 19659107 Doenças genéticas (deficiência de MDR3, distúrbios congênitos de glicosilação e aceruloplasminemia). 19659109 Prognóstico Na ausência de tratamento, a doença de Wilson é progressiva e deadly. Todavia, o tratamento adequado permite sobrevida próxima à da população em geral. Há aumento do risco de cancer hepatocelular e o colangiocarcinoma, porém é menor comparado a outras doenças hepáticas crônicas. 19659111 19659112 Em relação aos danos neurológicos, a ressonância magnética funcional parece auxiliar na avaliação prognóstica e de resposta ao tratamento. 19659113 Tratamento da doença de Wilson A base do tratamento envolve o uso de quelantes orais de cobre: 19659117 Aumento da excreção urinária de cobre: d-penicilamina e trientina (mais adequados para terapia de indução) 19659120 Redução da absorção digestive tract ao cobre e aumento da excreção fecal: sais de zinco (mais adequados para terapia de manutenção) 19659122 O tratamento com quelantes de cobre deve ser contínuo, mesmo em pacientes assintomáticos. A dosage inicial deve ser baixa e aumentada gradativamente, pois pode haver piora neurológica no início dessas medicações, especialmente com penicilamina e trientina. É importante acompanhamento nutricional, evitando alimentos ricos em cobre, todavia a terapia nutricional isolada não é suficiente. 19659124 Novas drogas estão em desenvolvimento, incluindo metanobactina (quelante que promove aumento da excreção biliar de cobre) e terapias gênicas associadas ou não a transplante de hepatócitos. O transplante hepático deve ser considerado para pacientes com insuficiência hepática aguda ou doença hepática crônica descompensada. A indicação de transplante para doença de Wilson neurológica é controversa. Heterozigotos simples podem servir como doadores vivos para transplante segmentar de fígado. 19659128 O quadro a seguir contém informações importantes quanto ao tratamento atual da doença de Wilson. 19659129 19659130 Variável Penicilamina 19659133 19659134 Trientina 19659135 Zinco 19659137 19659138 Dosage 19659140 Inicial 15-20 mg/kg/dia em 2 a 4 tomadas 19659141 19659142 Manutenção: 10-15 mg/kg/dia em 2 tomadas Inicial 15-20 mg/kg/dia em 2 a 4 tomadas 19659145 Manutenção: 10-15 mg/kg/dia em 2 tomadas 19659147 Inicial e manutenção: 50 mg 3 vezes ao dia 19659149 Efeitos adversos Precoces: febre, rash, proteinúria, sd lúpus-like 19659153 19659154 Tardios: citopenias hematológicas, sd nefrótica, hepatotoxicidade, colite, alteração na retina, and so on. 19659155 19659156 Gastrite, anemia sideroblástica, colite. Raros: anemia aplásica e hepatotoxicidade Gastrite, pancreatite bioquímica, sobrecarga de zinco, alterações imunológicas. 19659161 Monitorização Cobre urinário 19659165 19659166 200-500 μg/ 24 hr 150– 500 μg/ 24 hr 19659169 19659170 < 100 μg/ 24 hr 19659172 Cuidados 19659173 19659174 Tomar longe das refeições 19659176 Administrar com piridoxina oral 19659177 Reduzir 25-50% dosage na gestação ou em cirurgias 19659180 Iniciar com dosage 5-10 mg/kg/dia e aumentar em 2-4 semanas 19659181 Tomar longe das refeições 19659183 19659184 Reduzir 25-50% dosage na gestação ou em cirurgias Iniciar com dosage 5-10 mg/kg/dia e aumentar em 2-4 semanas Tomar longe das refeições 19659189 Não precisa reduzir dosage na gestação ou cirurgia 19659191 19659192 Adesão: zinco urinário >> 2 mg/24 horas e sérico >> 125 μg/ dl 19659194 19659195 Saiba mais: 19459040 Como cuidar de alguém com intoxicação alcoólica no plantão? 19659196 Mensagem prática 19659198 O maior conhecimento da fisiopatologia da doença de Wilson vem permitindo evoluções no diagnóstico e tratamento dessa doença. Futuramente, é possível que existam testes eficazes para rastreio populacional dessa condição, permitindo o diagnóstico precoce. Assim como é possível que terapias genéticas possam ampliar o toolbox terapêutico nessa morbidade. 19659200 Selecione o motivo: Errado Incompleto 19659203 Desatualizado 19659204 Confuso Outros Sucesso! Sua avaliação foi registrada com sucesso. Avaliar artigo 19659209 Dê sua nota para esse conteúdo. 19659210 Você avaliou esse artigo Sua avaliação foi registrada com sucesso. Autor Graduada em Medicina pela Universidade Federal Fluminense ⦁ Residência médica em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Antônio Pedro (UFF) ⦁ Residente em Gastroenterologia no Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (UFES) ⦁ Instagram: @dra. fernandaazevedo 19659214 Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo 19659216 European Association for Study of Liver. EASL Clinical Practice Guidelines: Wilson’s illness. J Hepatol. 2012 Mar; 56( 3 ):671 -85. DOI: 10.1016/ j.jhep.2011.11.007. PMID: 22340672. Roberts EA, Schilsky ML. Present and Emerging Issues in Wilson’s Disease. 19659220 N Engl J Med. 2023 Sep 7; 389( 10 ):922 -938. DOI: 10.1056/ NEJMra1903585. PMID: 37672695. Ferenci P, Caca K, Loudianos G, Mieli-Vergani G, Tanner S, Sternlieb I, Schilsky M, Cox D, Berr F. Diagnosis and phenotypic category of Wilson illness. Liver Int. 2003 Jun; 23( 3 ):139 -42. DOI: 10.1034/ j.1600-0676.2003.00824. x. PMID: 12955875. 19659223 Learn more